“Crimes of the Future” (que não ganhou tradução para o português) marca o retorno do aclamado David Cronenberg após quase uma década de hiato. Depois de anos, o diretor conhecido pelo horror corporal, retorna com uma obra, no mínimo, diferente.
Na trama, à medida que a espécie humana se adapta a um ambiente cada vez mais sintético e menos natural, o corpo sofre novas transformações e mutações. A maior parte das pessoas já não sente dor, e a humanidade se tornou imune a infecções.
Acompanhado por sua parceira Caprice (Léa Seydoux), o artista performático Saul Tenser (Viggo Mortensen) mostra ao público a metamorfose de seus órgãos. Enquanto isso, um grupo misterioso tenta usar a notoriedade de Saul no mundo da arte para jogar luz sobre o que seria a próxima fase da evolução humana.
O filme tem um forte clima ensaístico, no qual reflete sobre o que significa ser humano e como a humanidade lidaria com mudanças que parecem estar além de sua compreensão. Também faz uma reflexão sobre como o conceito do que é, e o que não é humano pode ser manipulado por forças maiores, como o governo e grandes corporações.
Apesar de ser classificado como terror, e realmente ter cenas bem gráficas, que podem impactar aqueles com estômago mais fraco, é uma ficção científica que foca mais no suspense, e usa o desconforto das sequências como ferramenta de reflexão sobre o tema apresentado.
Vemos na tela um futuro de ficção científica um tanto diferente, onde não há os usuais cenários cercados de material cromado, limpo e brilhante, mas sim ambientes sujos e meio abandonados, uma vez que a falta de limpeza não é mais um risco à saúde.
O longa também se dedica a mostrar apenas um pequeno recorte desse futuro e não se preocupa em explicar muito sobre o funcionamento desse mundo, ou mostrar grandes cenários panorâmicos, e nem precisa.
O roteiro tem um estilo intimista, quase como em um estudo de caso, em que o interesse maior é na relação do pequeno grupo de figuras que aparece em cena. Uma personagem que merece destaque é a estranha Timlin (interpretada muito bem por Kristen Stewart), uma funcionária de um novo setor – ainda secreto – criado pelo governo, que se vê dividida entre fascínio pela arte (e os novos órgãos de Saul), e seu trabalho burocrático.
Algo que merece ser mencionado é o design das máquinas que aparecem na produção, que têm uma elegância inquietante ao mesmo tempo em que podem gerar um desconforto e estranhamento em quem assiste. Em um mundo onde a humanidade volta seus olhos para o interior do corpo humano, o design passa a ser inspirado em músculos, ossos e artérias, com um pequeno toque de botânica – como na cama que parece uma orquídea, e ares insetóides – como na câmara de autópsia que parece um casulo orgânico.
Um prato cheio para quem gosta de ficção científica mais intimista e de temas como biopunk, pós-humanismo e a relação do homem com a arte e tecnologia, além, é claro, para quem é fã de Cronemberg.
por Isabella Mendes – especial para A Toupeira
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela O2 Play Filmes.