Vibrante, poderoso, fortíssimo filme chileno. A trama tem ação em “Tierra del Fuego”, no extremo sul de Chile, inicia-se em 1901 e conta a história da conquista desse remoto lugar, apresentando um personagem chamado José Menéndez (o conhecido ator chileno Alfredo Castro), proprietário de uma extensa região. Para poder mandar ovelhas a serem embarcadas no Oceano Pacífico, este poderoso indivíduo deve criar um corredor livre da ação dos aborígenes do lugar. Com esse intuito, contrata Alexannder MacLennan (o inglês Mark Stanley), um militar do Reino Unido (sua origem e grau serão motivo de discussões).
Para construir essa passagem, Menéndez oferece a MacLennan toda a ajuda de homens que seja necessária. Com este, finalmente viajarão para instalar arame que feche o caminho e realizar uma expedição de reconhecimento, Bill (Benjamin Westfall), um mexicano com antecedentes criminais; e Segundo (Camilo Arancibia), um mestiço originário desses lugares.
Os três partem para essa árdua tarefa, em lugares agrestes e desolados onde os homens se aproximam da natureza e dos animais, de modo embrutecedor. Começa assim uma aventura que se irá tingindo de temores, situações cruas e violentas, com agressões de todo tipo e desenlaces, por motivos que às vezes se explicam mas, pelo geral, são triviais e absurdos. Essa violência é brutal e mostrada sem concessões. Para piorar, avançado o relato, aparece o Coronel Martin (o inglês Sam Spruell em seu 29º trabalho). Este é outro indivíduo impiedoso. Porém, embora algumas cenas possam impactar, toda aquela maldade, não é gratuita. Tudo faz parte de um relato criado cuidadosamente pelo diretor Felipe Gálvez Haberle, em seu primeiro longa-metragem, e também como co-roteirista.
Embora tenha um aspecto de implícita e enfática crítica social, contra os colonizadores, incluindo parcialmente defeitos dos próprios nativos – os índios Onas -, o filme de nenhum modo é panfletário nem maniqueísta. Isto é: não defende nenhum tipo de discurso crítico ou elogioso, nem apresenta heróis inquestionáveis.
Dividido em quatro partes, na última, situada sete anos depois dos acontecimentos narrados, há uma mudança, onde se introduzem novos elementos. Aparecem aristocratas e um representante do Presidente do Chile. Esta autoridade quer saber como está a situação nos pontos geográficos mais distantes do país. Para isso é enviado Marcial Vicuña (Marcelo Alonso), personagem que pretende ser frio observador, até justo, mas também é mentiroso e manipulador. Nas últimas sequências a realização apresenta esses ricos com argumentos muito interessantes mas, em última instância, hipócritas. Há meias verdades em todas as atitudes e falas, o que dá maior consistência ainda ao filme. Talvez, se há um posicionamento crítico do diretor, esteja presente nesta sequência, ao mostrar as artimanhas discursivas da elite, que não mudam com o passar dos anos.
Como já foi abordado, não há heróis, mas também não há um protagonista (personagem principal) que costure a trama porque Segundo, figura com características indígenas, tem virtudes, porém seus defeitos são excessivos pois também é um assassino covarde e, diante do poder do representante da presidência, carece de prudência e astúcia. Elementos que ficam mais notórios na sua mulher, Kiepja / Rosa (a equatoriano-chilena Mishel Guaña), em uma soberba sequência final.
É evidente, inclusive inevitável, fazer associações com os títulos do “faroeste” estadunidense. Até a paisagem e o clima resultam semelhantes. E muitos dos elementos expostos se parecem com tais realizações. Por exemplo, “Rio Vermelho” (1948), um clássico, com o famoso John Wayne. Também neste, um grupo de “cowboys” tem que levar um rebanho por terras inóspitas.
Nos aspectos técnicos, destacam-se a música (do francês Harry Allouche) e a fotografia (da chilena Simone D’Arcangelo); ambas excelentes e muito adequadas.
Trata-se de uma produção basicamente chilena, porém com profissionais de diversas origens (segundo detalhamos) e o próprio acontece com a longa lista de empresas e organismos que intervieram. Não é uma obra para todo tipo de público, apresenta algumas falhas para a compreensão do que se relata, mas é muito recomendável para espectadores que apreciem ação com observações bastante profundas e não procurem apenas velocidade no relato.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela O2 Play Filmes.