Ao chegar à sala de cinema para a Cabine de Imprensa de “Mickey 17” (Mickey 17), a sensação foi de ter meu cérebro em duas partes distintas: a de quem havia lido o livro “Mickey7” de Edward Ashton, no qual o filme se baseia e a de quem nunca assistiu a nenhum outro trabalho dirigido por Bong Joon-ho.
Então, foi fácil identificar as inúmeras alterações propostas – já claras desde o seu título – pela adaptação cinematográfica, que acrescenta dez outras versões (além das sete vistas inicialmente na obra original) a Mickey Barnes (Robert Pattinson).
A trama se inicia no ano de 2054 e mostra o protagonista correndo risco de morte, após deixar-se levar pela lábia de seu melhor (único) amigo Timo (Steve Yeun), perder todo seu dinheiro em um investimento fracassado e não ter como honrar com a dívida contraída com o perigoso agiota Darius Blank (Ian Hanmore).
Para evitar um final infeliz, Mickey se alista para tornar-se membro de uma missão especial de quatro anos e meio – metade do proposto na obra literária -, rumo ao Planeta Colônia Niflheim, cujo objetivo e terraformar o local para o domínio da raça humana.
Com pouca (para não dizer nenhuma) habilidade específica, o ex-historiador aceita a função de “Descartável”, sem nem ao menos saber do que se trata – ainda que a denominação do cargo não seja das mais promissoras.
A ele caberá o trabalho de agir como uma cobaia de laboratório, a fim de dar aos cientistas que fazem parte da expedição, importantes dados sobre perigos desconhecidos. Mas, e se Mickey perder a vida em algum dessas missões? Ele terá corpo e memórias clonados, através de uma espécie de impressora que criará uma nova versão, sempre que necessário – o que acontece com frequência.
Em uma dessas incursões ao solo de Niflheim, Mickey sofre um acidente e é deixado para morrer no local (afinal, que problema há nisso, não é mesmo?), não só por Timo, mas por sua namorada, a agente de segurança Nasha Barridge (Naomi Ackie). O que ninguém contava é que ele conseguiria se safar dessa vez.
O retorno à base traz uma grande surpresa: sua décima oitava cópia havia sido impressa e agora a existência simultânea dos dois faz com que se tornem os chamados “Múltiplos”, terminantemente proibidos e abatidos sem piedade, por aqueles que se julgam com poder para determinar quem vive ou morre, com assustadora facilidade.
Aí começa a saga de Mickey 17 e Mickey 18 para manterem-se vivos longe dos olhos dos demais tripulantes, principalmente de Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), congressista fracassado que assume a responsabilidade de comandar a missão, tencionando, em suas palavras, “infestar o planeta com uma raça pura”.
O longa se afasta do gênero sci-fi, para aproximar-se de um estilo de comédia que consegue fazer importantes críticas sociais envolvendo elementos futurísticos, mas que cabem à nossa sociedade atual. Inclua-se a esse tópico, a presença da esposa de Marshall, Ylfa (Toni Collette), cuja futilidade e desinteresse pelo que acontece de importante / injusto / ao seu redor, muito lembram algumas figuras que dividem os holofotes em nosso mundo real.
Assim como no livro, um dos pontos altos do filme é a aparição dos habitantes do planeta que se pretende tomar. Os Rastejadores acrescentam uma nova (e crucial) camada à história adaptada por Bong Joon-ho e figuram entre os personagens mais interessantes da produção.
O destaque óbvio fica para a múltipla interpretação de Robert Pattinson, que, através de um excelente trabalho de corpo e voz (e de efeitos visuais bem competentes), convence o espectador de estar vendo pessoas diferentes – embora com a aparência idêntica.
“Mickey7” já teve sua continuação “Antimatter Blues” lançada no exterior e se passa dois anos após os eventos do primeiro livro. E eu espero que essa sequência também ganhe as telas futuramente.
por Angela Debellis
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Warner Bros. Pictures.