O relato de “Pequenas coisas como estas” (Small things like these) situa-se em 1985 no interior rural da Irlanda, em uma pequena localidade. Lá mora Bill Furlong (Cillian Murphy) com sua família. Possui uma modesta empresa de distribuição de diversos produtos, principalmente carvão.
A vida não é simples e o esforço dele é grande e vai aumentando com o passar do tempo. Porém, ele, a esposa Eileen (Eileen Walsh), e suas filhas – crianças e adolescentes -, têm assimilado essa forma de estar no mundo. Ainda que tendo disputas leves, há prevalência de harmonia.
Sem muitos assuntos sobressalentes, o filme avança devagar e até aí resulta ser minimalista. Porém, acontece um fato bastante chocante, com certo impacto emocional. O protagonista descobre, por casualidade, que em um asilo de freiras católicas ocorrem atitudes desumanas.
A partir daí, “Pequenas Coisas Como Estas” vai de menor a maior, porque Furlong é abordado pela irmã Mary (Emily Watson), superiora do lugar, com o objetivo de mascarar o que está acontecendo.
A astúcia desta freira, unida à inteligência para tramar maldade, compõem um plano de perversidade extrema. Não só nessa congregação, mas também na comunidade local e em especial nesta figura, conjugam-se aspectos religiosos e psicológicos, como repressão sobre si mesmo e sobre os demais.
Pela sua vez, Furlong percebe que o que presenciou é revoltante e se defronta consigo mesmo para decidir o que tem que fazer, caso tenha ou possa fazer algo. Sabe que determinadas atitudes poderão trazer-lhe resultados sociais, que incluem rejeição, sanções a seus familiares etc.
Poder e dinheiro (tê-lo ou carecer dele) aparecem como elementos predominantes e aos quais se contrapõe a honestidade com convicção. Porém, o longa não é maniqueísta, não apresenta um herói absoluto.
Elogios para Tim Mielants, o diretor, e Enda Walsh, cujo roteiro está baseado em romance de Claire Keegan, escritora que já tinha um excelente antecedente com “A Menina Silenciosa” (The Quiet Girl / An Cailín Ciúin, no original irlandês), trazido às telas em 2022.
Nesta produção, Mielants e Walsh souberam levar o profundo drama de “Pequenas coisas como estas”, até fechá-lo de um modo muito bem concebido. Aliás, a trama conclui abrindo mais que fechando, porque dá para pensar muito no que vai acontecer nos fatos subsequentes e nas atitudes dos personagens.
Além disso, fará refletir sobre a relação entre religião e bondade e no paradoxo religião e crueldade. E, sobretudo, sobre conflitos éticos nos quais estão todos envolvidos, assim como reflexionar sobre o que somos nós, humanos. Sem declarações, sem discursos, acompanhando uma decisão.
Fazendo referência à abertura e fechamento da realização, justamente no início, aparece a imagem de um corvo crocitando e conclui com outros, prolongados, que acompanham, paralelamente, os créditos finais.
Como se trata de uma ave bastante sinistra, à qual, tradicionalmente, se atribuem desígnios nefastos, detectamos algum propósito deliberado por parte dos realizadores ao colocar tal elemento. Mas, qual é essa intenção? Assimilar essas aves às vestes pretas das freiras? Caberá ao espectador interpretar a mesma.
Finalmente, não deixa de ser curioso que esta produção, impregnada de características da Irlanda católica, tenha sido dirigida de modo tão competente por um belga. Mas os atores irlandeses, corretos, ajudaram, incluindo Cillian Murphy (em papel diferente de “Oppenheimer”, pelo qual ganhou o Oscar em 2024). E vale destacar o papel da inglesa Emily Watson (ganhadora no Festival de Berlim por esta tarefa), brilhante em sua dureza.
Em síntese: Uma trama com elementos de hipocrisia, cinismo, manipulação; mas que, por outra parte, apresenta nobreza, integridade, ética. Tudo isso e seguramente muito mais em uma obra de ritmo lento, econômica em recursos cinematográficos, mas que encontrará repercussão em um público específico que a saiba valorizar.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela O2 Play Filmes.