Como bem diz o ditado popular, a religião – ao lado do futebol e da política – forma o trio de coisas que não deveriam ser discutidas (o que nem sempre acontece, na realidade). Partindo desse pressuposto, elaborar um filme que tenha como cerne a figura de Jesus Cristo é algo que pode ser complicado a princípio, mas que, quando bem feito, torna-se simples e eficaz.
Escrito e dirigido por Rodrigo García, “Últimos Dias no Deserto” (Last Days in the Desert) apresenta sua trama livremente inspirada em uma das passagens mais conhecidas do Novo Testamento, quando Jesus Cristo – que na película é tratado pela versão hebraica de seu nome, ‘Yeshua’ – enfrenta seu período de provação ao passar 40 dias e 40 noites no deserto da Judeia, sob a constante companhia do Diabo.
É durante sua busca por iluminação que conhece os três membros de uma família, denominados apenas como Pai (Cirán Hinds), Mãe (Ayelet Zurer) e Filho (Tye Sheridan). Decidir o caminho que deve seguir após encontrar essas pessoas e o quão urgente se faz a necessidade de ajudá-las física e espiritualmente é o que motiva o personagem e dá o tom à surpreendente produção.
Com Emmanuel Lubezki (cujo trabalho impecável em “O Regresso” lhe rendeu um Oscar e um Bafta) à frente da fotografia, o filme conta com um visual muito bonito e impactante. A imensidão do deserto em contraste com a pequenez de um dos personagens quando se senta abraçado aos joelhos e com a cabeça baixa, é de uma sutileza que parece intrínseca ao roteiro.
A sequência final, pode não trazer nenhuma grande surpresa para quem conhece o mínimo que seja da história do cristianismo. E ainda assim, consegue ser competente em sua tarefa de causar comoção.
Destaque para o ator Ewan McGregor que interpreta os dois protagonistas tão distintos – Jesus e Satanás – e consegue imprimir personalidades próprias a eles. Enquanto um tem o semblante suave e faz uso de um tom sereno ao falar, o outro é enérgico e possui um olhar permanentemente acusador.
Em uma época em que os filmes de maior relevância são os que fazem uso dos melhores recursos tecnológicos e das mais diversificadas trilhas sonoras, é bom perceber que ainda há espaço para a reflexão, a paciência e a leveza de uma obra deste tipo.
Vale conferir.
por Angela Debellis