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Crítica: “A Última Floresta”

Em 1980, a descoberta de minerais, em particular ouro, causou uma verdadeira corrida na região próxima à fronteira do Brasil com a Venezuela, atraindo garimpeiros de todos os cantos procurando riquezas.

Porém, essas terras já tinham dono: os yanomami e os ye’kwama. Esses dois povos nativos que habitavam a região há milhares de anos já viam seu modo de viver ameaçado com projetos de expansão e colonização do governo militar brasileiro, pois tais trariam doenças que, por serem mais isolados que outros grupos no Brasil afora, nunca tiveram contato, além da tomada de terras e destruição de recursos necessários para a sobrevivência destes.

A ameaça federal, no entanto, empalidece perante a invasão garimpeira: destruição descontrolada da mata pelo ouro, expulsão e assassinatos de indígenas, além da constante contaminação por mercúrio do ambiente.

Com a democratização, o governo tomou providências para que este tipo de crime fosse controlado, e a demarcação de terras indígenas e sua subsequente monitoração se tornaram mais sérias, o que, no entanto, não impediu que em 2004, uma nova corrida do ouro acontecesse.

Por sua vez nada se compararia ao ocorrido no recente governo bolsonarista: o abandono da fiscalização resultou num absurdo aumento do garimpo ilegal 30%. Um agravante ainda mais absurdo, são as continuas tentativas do presidente em tentar legalizar a atividade garimpeira, e de enfraquecer as instituições de ambiental e dos direitos indígenas, com ações como, por exemplo, apontar como diretor da FUNAI – agora afastado – um homem que se dizia contra a instituição, e para piorar defendia a agropecuária de larga escala em terras indígenas, completamente ignorando qualquer impacto que possa ter no ambiente e vida destes povos.

O resultado final desta completa negligência e descaso: envolvimento até de lideres de facções criminosas como o PCC, impacto ambiental que chega até mesmo a ameaçar a infraestrutura energética, e assassinatos, além dos patógenos que esses povos têm menos resistência. Porém, para a população geral do Brasil, e quiçá do mundo, esta é uma realidade distante.

Por isso, o trabalho de pessoas como Davi Kopenawa é tão importante: conscientizar, chamar atenção à causa, e mostrar que esta realidade pode muito bem resultar impactos até mesmo para quem de lá mora longe.

Davi Kopenawa é um líder Yanomami e ativista das causas indígenas e ambientais, e tem sido uma das maiores vozes para o Brasil e mundo das comunidades amazônicas e isoladas, e contra o garimpo ilegal, que com apoio de escritores, jornalistas e cineastas vem criando obras para chamar atenção aos problemas que ocorrem na região.

Na parte literária, Davi trabalhou em conjunto com o escritor e antropólogo Bruce Albert, para a criação de “A Queda do Céu – Palavras de um Xamã Yanomami”. O livro é uma mistura de crítica social e política, ligada às situações descritas anteriormente, com etnografia, onde descreve costumes, tradições e a cosmogonia de seu povo.

A obra foi adaptada para o cinema com roteiro do próprio Davi Kopenawa e do diretor Luíz Bolognesi, com título de “A Última Floresta”. O filme, assim como o livro, é parte documentário, parte encenação. Todos os personagens são pessoas reais, membros da mesma comunidade de Davi, a maioria das cenas são retratos ou de ocorrências durante o período do filme ou situações anteriores vividas pelos próprios, quando não, são um retrato de seus mitos e lendas.

Desta forma, “A Última Floresta” não cria uma trama em si: é uma colagem de momentos, interconectados por diferentes narrativas, que no fim representam as realidades mítica e física dos Yanomami. A qualidade do roteiro, desta forma, se encontra no modo como fluem os diferentes momentos, e como os conecta, de maneira que não percamos o fio da meada, e ao mesmo tempo nos atente aos diferentes aspectos do longa.

Outro elemento de grande qualidade no filme é sua fotografia, de maneira que é impossível não se sentir no meio do ambiente retratado, com suas densas matas, seus rios, e seus animais. Além de imersiva, também é bela: desde seus retratos no interior da selva e da tribo, até as tomadas aéreas, trazem uma beleza única.

A trilha sonora é incrível, dividida entre cantos Yanomamis, e quartetos de cordas. No entanto, neste segundo aspecto, a música é constantemente tensa, um retrato da fragilidade da situação deste povo.

“A Última Floresta” é uma pesada crítica sócio-ambiental ao atual governo, mas também serve para anteriores e principalmente para posteriores. Chama atenção a um antigo problema, que em si nunca foi completamente resolvido, e é utópico pensar que em breve será, e é um belo trabalho de conscientização sem deixar cair-se nas tentações da tornar exóticos aqueles a quem quer representar.

por Ícaro Marques – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa Virtual promovida pela Gullane Entretenimento.

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