Crítica: “O Homem dos Sonhos”

A presença e a importância dos sonhos na nossa vida já foram abordadas em filmes de grande impacto como “Quando fala o coração” (‘Spellbound’, 1945), de Alfred Hitchcock, no qual os sonhos explicam um crime.

Contudo, o tema continua inspirando novas obras, como “O Homem dos Sonhos”, do norueguês Kristoffer Borgli. Em seu terceiro longa-metragem, como diretor e roteirista, apresenta uma trama com viés psicológico e onírico por meio de uma inversão insólita: são inúmeras pessoas que sonham com um mesmo homem, pelo geral desconhecido delas. Um relato curioso, mas dotado de muita criatividade.

No que se refere aos sonhos, que todos temos, de diferentes maneiras e frequências, foram objeto de estudo e análises de Sigmund Freud e Carl Jung, figuras fundantes da psicanálise e que sistematizaram a abordagem deste material..

O primeiro livro do austríaco Freud foi, justamente, “A Interpretação dos Sonhos”  (1900). Obra magnífica que inaugurou o caminho da psicanálise, como se os mesmos fossem uma manifestação atribuída ao inconsciente pessoal do sonhante.

Já o suíço Jung (citado no filme), também analista, mas em uma linha interpretativa diferente, com base na análise de milhares de casos de pacientes e com conhecimentos mais aprofundados de diversas culturas, vincula-os a um inconsciente coletivo, associando-os a símbolos e arquétipos. Seus livros são muito marcantes, como por exemplo, “Memórias, Sonhos e Reflexões” (1961), “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” (1969, post-mortem) etc.

Estes dois autores e pesquisadores suscitaram, posteriormente, muitíssimos estudos sobre os sonhos, com interpretações variadas. Porém, como antecipado, nesta obra cinematográfica há uma inversão do habitual: o protagonista é Paul Mattews (Nicolas Cage, em seu 99º trabalho), mas não é ele quem sonha, mas sim aquele que aparece nos sonhos de muitas outras pessoas, conhecidas e desconhecidas. Inclusive sua esposa, Janet (Julianne Nicholson) e suas filhas, Sophie (Lily Bird) e Hanna (Jessica Clement).

Ele aparece nos sonhos de modos diferentes e até contraditórios. Por exemplo, como indivíduo totalmente passivo nos primeiros e, bem ativo depois. É um professor que, aos poucos, vai deslocando-se de docente comum de uma instituição chamada Osler (anagrama de Loser – perdedor, como ele será definido, agressivamente), a personagem especial, não só em suas aulas, mas com a sociedade em geral. Até nos mais afastados lugares, sua figura ganha fama crescente por causa dessas aparições.

A esta altura do relato, Borgli oscila entre brincar e  assustar, procurando surpreender com as consequências que tem as aparições oníricas de Mattews. Consegue um bom resultado não apenas com os personagens do filme, mas também conosco, os espectadores.

Não faltam situações dramáticas e, por outro lado, cômicas, em graus variados. O sexo não vai estar ausente. Realidade e ficção se misturam de forma chamativa e os aspectos dramáticos prevalecem. Símbolos como animais, fogo, o ato de voar etc. estão presentes, tornando alucinatória a própria narração, até chegar a um final estranho, arrasador.

Aparecem algumas tentativas de definir e explicar o fenômeno (“sonhar é como uma psicose”; “o cérebro alucina para proteger-nos”), e há especulações teórico-práticas sobre um método (‘Norio’) que poderia aplicar-se às pessoas para ingressar nos sonhos próprios, direcionando-os e, sobretudo, também nos alheios.

A atuação de Nicolas Cage é intensa, construindo um personagem muito especial. A fotografia de Benjamin Loeb está muito bem elaborada e a música, responsabilidade de Owen Pallet, tem um tema final, paralelo aos créditos, muito bom. Abundam efeitos especiais e visuais e dezesseis dublês realizam as muitas situações oníricas que se sucedem.

Merecedor, justamente, de análises bem detalhadas, mas resumido em duas palavras, “O Homem dos Sonhos” (com o título original de “Dream Scenario” – algo assim como “Cenário dos Sonhos” -, que se explica melhor assistindo-o), resulta interessante e complexo.

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela California Filmes.

Filed in: Cinema

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