Crítica: “Entrevista com o Demônio”

É cada vez mais raro encontrar um conteúdo oferecido pela indústria do entretenimento que consiga segurar a atenção do público do início ao fim. Muito se deve à maneira frenética como a maioria tem vivido, quando aparenta ser impossível ficar sem acessar celulares ou tecer comentários (nem sempre pertinentes) a cada momento.

Fiquei positivamente surpresa com a capacidade de “Entrevista com o Demônio” (Late Night with the Devil) de conduzir a plateia, com naturalidade, em uma viagem pela década de 1970, para nos fazer acreditar que, pelo menos parte do que se vê, aconteceu mesmo. Queremos saber cada vez mais a respeito, por vezes, esquecendo que estamos em uma sala de cinema.

Mérito do bom trabalho de Colin e Cameron Cairnes, responsáveis pelo roteiro e direção do longa que ganhou imensa notoriedade antes de sua estreia no Brasil, entregando um resultado tão perturbador quanto se pode esperar de um título que tem o difícil estilo found footage como fio condutor.

A trama nos é apresentada pela impecável narração de Michael Ironside (que carrega grande bagagem relacionada ao terror em sua filmografia). Imagens reais mostram o caos político e social que toma conta dos Estados Unidos, mas, como manda a duvidosa cartilha da vivência em sociedade, tudo pode ser deixado de lado por alguns momentos, quando estamos diante da televisão.

Em abril de 1971, vai ao ar o primeiro episódio de “The Night Owls” (aqui, traduzido como “Corujões”), talk show comandado por Jack Delroy (David Dastmalchian) que, embora bem recebido pelo público, nunca chegou a intimidar o líder de audiência “The Tonight Show” (este, uma atração real, apresentada por Johnny Carson por três décadas).

Depois da inesperada perda de sua esposa, Madeleine Piper (Georgina Haig), a iminência do fim de seu contrato e a pressão por um aumento na audiência, Jack decide arriscar tudo, ao fazer um especial de Halloween que entraria para a história televisiva. A edição que foi ao ar em 31 de outubro de 1977 e todos os desdobramentos de seus assuntos é o que vemos em tela, sob a inteligente decisão de se usar o formato 4:3, tão característico dos aparelhos da época, aliado à qualidade de imagem condizente.

Os convidados surgem em progressão de relevância: Christou (Fayssal Bazzi), o médium de índole duvidosa; Carmichael Haig (Ian Bliss), o ex-ilusionista pedante que agora busca desmistificar qualquer coisa que seja apresentada como sobrenatural; e a parapsicóloga June Ross-Mitchel (Laura Gordon), que divulga o lançamento de seu livro e orienta sua tutelada Lilly (Ingrid Torelli) – que, supostamente, estaria possuída por uma entidade maligna.

A jovem é a única sobrevivente de um suicídio coletivo cometido três anos antes, pelos membros do culto satânico liderado por Szandor D’Abo (Steve Mouzakis). A crença – a todo instante relembrada aos espectadores – é que Lilly é muito mais do que apenas uma garota deslumbrada com a possibilidade de estar em um programa televisivo. As sutis quebras da quarta parede realizadas pela personagem ajudam a complementar a incômoda ideia.

Como é mais usual do que se imagina, é nos bastidores que tudo acontece. As sequências por trás das câmeras (exibidas em preto e branco e com o formato de tela mais próximo do utilizado nos cinemas) deixam claro que Jack e seu produtor Leo Fiske (Josh Quong Tart) farão de tudo para alcançar números significativos de audiência, não importando o quão precisem se rebaixar.

É assustador o quanto isso soa como familiar no mundo real também. Mas, a verdade é que a obra, depois de manter um bom equilíbrio, acaba encontrando nítidas dificuldades para criar um clímax tão eficiente quanto o resto de sua composição.

Se, por um lado, ainda tem fôlego para uma cena incrível envolvendo hipnose coletiva – protagonizada pelo carismático assistente de palco Gus (Rhys Auteri) – a produção tem o brilhantismo de sua fotografia (realizada por Matthew Temple) ofuscado em seus momentos derradeiros, quando efeitos visuais surgem deslocados frente à proposta de parecer um programa real.

No geral, assistir a “Entrevista com o Demônio” é uma experiência, no mínimo, impactante. E, para o gênero terror, é algo que faz toda a diferença.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Diamond Films.

Filed in: Cinema

You might like:

Direto da Toca: Assistimos ao musical “Hairspray” Direto da Toca: Assistimos ao musical “Hairspray”
Público infantojuvenil tem espaço garantido no Festival do Rio Público infantojuvenil tem espaço garantido no Festival do Rio
Beco do Batman, em São Paulo, ganha mural deslumbrante com personagens de “Coringa: Delírio a Dois” Beco do Batman, em São Paulo, ganha mural deslumbrante com personagens de “Coringa: Delírio a Dois”
“Pássaro Branco”, aguardado spin-off de “Extraordinário”, ganha novos cartazes “Pássaro Branco”, aguardado spin-off de “Extraordinário”, ganha novos cartazes
© AToupeira. All rights reserved. XHTML / CSS Valid.
Proudly designed by Theme Junkie.