Atrizes reconhecidas da dramaturgia brasileira, de diferentes gerações, estão no elenco principal de “Alegria do Amor”, segundo longa de ficção dirigido por Marcia Paraiso: Renata Gaspar, Wallie Ruy, Sandra Corveloni, Zezita Matos e Suely Franco imprimem personalidade e pluralidade à obra, somando ainda à trama uma multiplicidade de talentos, atores e atrizes da cena do Ceará, artistas sertanejos e Mestres consagrados da cultura popular.
Tudo para dar vida a uma trama que aborda desde questões agrárias e território quilombola, até o universo LGBTQIAP+, através do olhar atento e sensível da diretora, que assina o roteiro em parceria com Glauco Broering.
O longa teve a primeira exibição em Portugal, no Festival Itinerante da Língua Portuguesa – Festin Lisboa 2024 e estreia no Brasil na programação competitiva do Festival Mix Brasil de Cultura da Diversidade, que acontece em São Paulo até o dia 26 de Novembro. Também será exibido no Transforma – Festival Internacional de Cinema da Diversidade de Santa Catarina, que acontece de 7 a 18 de Dezembro de 2024. A previsão de estreia nas salas de cinema no Brasil é em fevereiro de 2025, com distribuição da Downtown Filmes.
A história se inicia em uma comunidade remanescente de Quilombo, encravada em uma serra sertaneja, em um momento conflituoso com uma empresa mineradora que pretende explorar minério na região. Estatisticamente, o maior índice de violações humanas em territórios indígenas e quilombolas, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), se dá por mineradoras estrangeiras.
A protagonista Dulce (interpretada pela atriz Renata Gaspar), uma ex-noviça, é professora de alfabetização de jovens e adultos na comunidade quilombo e é companheira de Davi (Márcio de Paula), liderança local, que é assassinado. Sem perspectiva de lutar pelo território naquela situação de conflito, Dulce foge para São Paulo, pensando em dar visibilidade para a violência que acontece naquelas terras.
Além de Renata Gaspar, o elenco principal é formado por um núcleo potente de atrizes: Wallie Ruy como Marisa (irmã de Dulce), Sandra Corveloni como Beatriz (mãe das duas), Suely Franco como Dona Antônia (avó) e Zezita Matos como Madre Aparecida. O elenco conta ainda com as participações de Marcio de Paula (de João Pessoa), de Alexandre Muniz (de Caicó, RN), Ligia Kiss (de Mossoró, RN) e Jerônimo Gonçalves (de Barbalha, CE), além do Mestre da Dança de São Gonçalo, Mestre de Cultura do Estado do Ceará, Joaquim Roseno (de Quixadá, CE) e todo o grupo de dançadeiras de São Gonçalo, uma prática cultural ancestral, presente em poucas comunidades rurais no Brasil.
A realização do filme envolveu grande parte da população do povoado Dom Maurício, na Serra do Estevão, as irmãs católicas que vivem no Mosteiro da Santa Cruz e a comunidade quilombola do Sítio Veiga, que atuou junto ao elenco profissional e também apresentou, como parte da narrativa, a “Dança de São Gonçalo”. Essa manifestação cultural/religiosa resiste no lugar desde os tempos em que as famílias Roseno e Eugênio se refugiaram por ali, vindos do sertão do Rio Grande do Norte, carregando o desejo de liberdade e São Gonçalo do Amarante, a quem pediam boas safras e fartos invernos (no sertão, a estação chuvosa).
Em coerência com a própria temática e proposta narrativa, “Alegria do Amor” possui 70% de sua equipe técnica declaradamente LGBTQIAP+, e agregando profissionais de distintas regiões do Brasil.
Realidade pouco conhecida
A diretora Marcia Paraiso destaca a relevância e ineditismo da abordagem narrativa que “Alegria do Amor” apresenta: “é um filme ficcional com um conteúdo muito brasileiro, com um roteiro bastante original, que busca tratar a dramaturgia de um universo muito pouco trabalhado na cinematografia brasileira. Inicialmente, é o mundo sertanejo, um isolamento que persiste, a vida comunitária, a precariedade da escola e a fé, um misto de catolicismo popular com religiões de matriz africana, universo rico de culturas, crenças e formas de resistir em uma terra conquistada com luta e persistência”.
O conflito violento movimenta de forma brusca a narrativa, expulsando a protagonista de seu lugar. “O Brasil é o país onde morrem mais pessoas por conflito de terra no mundo. Os principais conflitos impactam em terras indígenas, seguidas de terras quilombolas”, pontua Marcia.
As empresas mineradoras internacionais são responsáveis por quase 40% das ocorrências de violência no campo, tema que é pouco divulgado e, consequentemente, conhecido pela sociedade brasileira.
A dança de São Gonçalo e o Quilombo Sítio Veiga, e o município de Quixadá, no sertão mcentral do Ceará, são temas e territórios conhecidos pela diretora desde 2003, onde realizou filmes como “O Joaquim”, filme etnográfico sobre o Mestre Joaquim Roseno e a dança de São Gonçalo, o curta “Profetas da Chuva e da Esperança”, realizado em Quixadá junto a figuras que são reconhecidas pelo saber ancestral da previsão do tempo, e “Eu, Semente”, premiado filme de 1 minuto com a liderança quilombola Ana Eugênio.
O desejo de levar as questões agrárias para o cinema também é um tema persistente em sua obra. “Alegria do Amor fala de um sentimento onde o preconceito não tem espaço para existir, fala de um lugar onde o perdão, a compreensão sobre o outro e o respeito à diversidade humana, sobre o que se é ou se deseja ser, cada qual em sua existência, é de fato o sentido do sentimento do amar, que está além de qualquer teorização”, diz Marcia.
“Algo que sempre me chamou a atenção, já que me considero alguém que respeita a fé e os sentimentos de religiosidade, é que jamais li ou vi na Bíblia algo que julgue e condene a diversidade sexual humana. “Alegria do Amor” fala, sem levantar bandeiras ou didatismos, sobre a importância do acolhimento familiar, sobre o respeito e amor como elementos fundadores nos relacionamentos, acima de tudo. Porque entendo que é impossível vivermos em um país democrático sem o respeito à diversidade e singularidade de cada um ou uma de nós. Isso é a alegria do amor”, completa.
O amor e o universo das mulheres
“Um desafio grande foi trabalhar num roteiro em que 90% das personagens são femininas. A Dulce, a Marisa, a mãe, a avó, a Madre, todas mulheres – e eu escrevi sobre todas elas”, conta Glauco Broering, co-roteirista.
“Junto com a minha parceira Marcia Paraiso, tive a missão de desviar de todos os clichês possíveis. Mas ao mesmo tempo em que foi desafiador, foi prazeroso: estudei e mergulhei nas personagens. Toda a parte da transposição do que a gente escreveu para o que a gente filmou, foi muito orgânico. Todas as atrizes entenderam a proposta e trabalharam de forma excelente”, comemora o roteirista.
da Redação A Toupeira