Crítica: “Um Homem Diferente”

“A beleza está nos olhos de quem a vê”, prega um antigo ditado. Modernizando a afirmação, o belo hoje é representado pelo alcance do tão almejado (por alguns) “engajamento” – mesmo que venha carregado de subterfúgios para esconder a realidade que nenhum aparelho tecnológico ou intervenção estática é capaz de mudar.

“Um Homem Diferente” (A Different Man), novo thriller psicológico da A24, chega aos cinemas brasileiros com reconhecimento (venceu o Gotham Awards e Sebastian Stan – recém-indicado ao Globo de Ouro – levou o Urso de Prata no Festival Internacional de Cinema de Berlim) e firma-se como forte candidato a figurar em diversas listas na próxima temporada de premiações.

Tudo graças à sua excepcional capacidade de lidar com temas que poderiam ser problemáticos (de acordo com os pensamentos atuais), de uma maneira que mescla crítica à comédia ácida – com pitadas de body horror -, resultando em algo tão brilhante, quanto excêntrico.

A trama gira em torno de Edward (Sebastian Stan em momento primoroso da carreira), cujos fracassos sequencias em todos os âmbitos da vida são creditados a uma condição genética que lhe impede de integrar o time dos ditos “normais”.

O protagonista é portador de Neurofibromatose, que provoca o crescimento de tumores (benignos ou não) em torno dos nervos. Tal síndrome afeta seu rosto, provoca discrepâncias estéticas e causa graves problemas oculares. Enquanto enfrenta todos os desafios que a doença lhe traz, ele estende sua dor às coisas que o cercam. Fato bem visível quando pensamos no pequeno apartamento no qual vive, um local que expressa o quão miserável se sente.

A rotina deplorável de Edward muda com a chegada de Ingrid (Renate Reinsve), sua nova vizinha. Ao ser tratado com naturalidade, sem que sua condição se torne mais importante do que seu caráter, ele passa a cogitar o início de um tratamento experimental. Sem nenhuma segurança ou garantia, ele acata as orientações médicas e o que vemos em tela assusta e surpreende no mesmo nível. Um rosto que literalmente desmancha, dá lugar a outro, este saudável (entenda-se a feição de Sebastian Stan sem artifícios de maquiagem / prótese) e sem nenhum rastro deixado pelo anterior.

O começo de uma nova trajetória torna-se um inesperado obstáculo, com a chegada de Oswald (Adam Pearson), que também tem Neurofibromatose, contudo, ostenta uma postura completamente diferente, mostrando-se confiante o suficiente, para não ser julgado pelos outros apenas por sua aparência – ou pelo menos é essa a visão que nos é passada pelo roteiro de Aaron Schimberg (também à frente da direção).

Obviamente, as coisas não seriam tão radicais. Oswald não seria uma unanimidade – pois existem indivíduos de caráter duvidoso que não se furtariam de humilhar ou diminuir quem lhe parecesse adequado, dentro de seus duvidosos julgamentos. Assim como é exagero acreditar que Edward seria incapaz de encontrar pontos positivos em sua nova vida. Se não fosse pela aparência, ele deveria estar empolgado pela possibilidade de viver sem algo que lhe causaria problemas de saúde cada vez maiores, com o passar do tempo.

Dito isso, “Um Homem Diferente” acerta ao trazer esses exageros para a narrativa, justamente porque eles nos fazem refletir a respeito da proposta do longa. Há muito mais por trás da fachada de filme que “apenas” discute padrões de beleza e sua associação com a felicidade.

Mudanças são inegáveis e constantes. Houve uma época em que, na ficção, a maior preocupação de uma icônica vilã de contos de fadas era se havia alguém mais bela do que ela. Enquanto na vida real, o Concurso de Miss Universo dava picos de audiência e mobilizava famílias em frente à TV.

Hoje, a discussão se dá pela afirmação de que a “beleza interior” é a mais importante, enquanto referências estéticas são colocadas em dúvida e uma explosão de diversidade ganha manchetes de jornais (ou destaque em redes sociais).

Porém, a beleza – seja lá o que signifique – continua no centro das argumentações, afinal, o ser humano é prisioneiro de sua própria imagem. E, mesmo que haja uma veemente negação a respeito, ela sempre terá influência sobre certas atitudes, sem nem ao menos percebermos.

Como disse o escritor francês Honoré de Balzac, “Quando todo o mundo é corcunda, o belo porte torna-se a monstruosidade”.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Clube Filmes.

Filed in: Cinema

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