Às vezes soa surpreendente o quanto a comédia se mistura ao drama, dado que a natureza destes dois parece completamente oposta. No entanto, não são raras as “dramédias” que expõem a complexidade dos conflitos interpessoais, e como eles podem ser hilários se observados à devida distância.
“A Última Viagem” (The Last Right) é um bom exemplo de como uma situação trágica e triste pode ser observada com leveza e sutileza: Daniel (Michiel Huisman) volta à Irlanda para o enterro de sua mãe, porém ao se ver apontado pelo homem que se sentou ao lado em seu voo como único parente vivo – devido ao sobrenome similar –, o jovem acaba por decidir levar o cadáver até a cidade onde este vivia.
E parte levando seu irmão Louis (Samuel Bottomley) – que o pressionou a entrar nesta situação – e Mary (Niamh Algar) irmã da dona da funerária local – que se dispôs a ajudá-los. No entanto, a viagem está longe de ser normal, e vai expondo os conflitos e a natureza do relacionamento dos irmãos.
Um dos primeiros assuntos sérios que o filme aborda é a natureza do luto e da solidão: tanto Daniel, quanto seu colega de voo, Padraig (Jim Norton), estão voltando para a Irlanda por motivos de funerais: o primeiro da mãe e o segundo levando o irmão para ser enterrado em sua cidade natal, que tal qual o protagonista, partiu para os Estados Unidos abandonando a família, levando uma existência solitária.
O tema do relacionamento conflituoso entre irmãos que se tornaram distantes também é constante, e é agravado pelo fato de Louis ser autista, fato com o qual Daniel, irmão mais velho, não consegue lidar e agir para com o mais novo.
Quanto ao assunto do autismo raramente é usado para motivar piadas com a condição. Porém, algumas reações dos personagens ao redor dessa característica de Louis acabam por ser mais engraçada do que as ações do personagem em si. À parte disto, não posso argumentar sobre o realismo ou veracidade do retrato da condição, mas o fato de não exagerar no retrato desta, como no filme “Rain Man” – o qual Louis comenta se tratar de menos de 1% dos casos – e não usar como forma de diminuir seu personagem, já é algo notável em si.
Outro bom fator são as atuações, em particular de Samuel Bottomley, que rouba a cena como Louis, e parece tratar o personagem de maneira respeitosa. Michiel Huisman, por sua vez, também demonstra boa capacidade, retratando uma figura que, apesar de egocêntrica, é compreensível e passível de nos empatizarmos.
Ainda assim, existem alguns aspectos fracos na produção: a demora para a trama atingir um passo condizente com a situação do filme, que pode acabar por entediar na primeira meia-hora; a trilha sonora é completamente clichê, e não dá aquele destaque especial que a trama mereceria; a fotografia é descente, mas em algumas cenas poderia ser consideravelmente melhor.
Apesar de lento, “A Ultima Viagem” – que chega à plataforma de streaming Cinema Virtual – pode divertir quem curte uma comédia que aborde temas mais sérios, com uma boa pitada de humor negro, no entanto o passo do filme pode acabar por afastar quem prefere algo mais dinâmico.
por Ícaro Marques – especial para A Toupeira
*Título assistido via streaming, a convite da Elite Filmes.
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