Crítica: “Babilônia”

Este é um filme descomunal, excêntrico e, por momentos, arrasador. Já o nome aponta para aquela remota cidade que no Antigo Testamento bíblico foi definida como capital de um reino que dominou ao povo judeu.

Fortemente amuralhada, caracterizava-se também por seus atos imorais, ações e falas irreverentes, situações repulsivas, desagradáveis, corrupção com aceitação de dinheiro para cometer atos imorais – segundo algumas definições sobre ela. A imagem que chega até nós é de um lugar assim, com excessos de todo tipo. Com esse título, definição que também parece advertência, a produção do filme “Babilônia” (Babylon)  antecipa boa parte do que virá.

Damien Chazelle (jovem de 38 anos de idade), diretor e roteirista aqui, já conta com importantes antecedentes: ganhador de um Oscar pela direção de “La La Land – Cantando Estações” (2016), e outros prêmios. Além disso (onde, às vezes, é assunto discutível), foi corroteirista de um trabalho muito elaborado, em “Cloverfield, 10” (2016). Agora chega às telas da mão de uma produção que não mediu gastos e esforços.

O relato inicia-se na Califórnia no ano de 1925, isto é apenas uma década depois que o polêmico e genial David W. Griffith criara em Hollywood a indústria cinematográfica. Embora não sejam citados no filme, “Intolerância” (1915) e sobretudo o colossal épico “O Nascimento de uma Nação” (1916), evidentemente, foram fontes de referência para Chazelle. Ele recria aqueles primeiros passos, porém já instalado na década de 1920 e sem nenhuma pretensão de historiador, clássico ou revisionista.

Simplesmente, situa-se nesse 1925, na primeira cena, de maneira curiosamente cômica. É um prólogo do que será uma festa exótica, um bacanal descontrolado, onde música, sexo, drogas, aparecem de forma desmesurada, até chegar a limites que podem ser associados a algum tipo de loucura e/ou perigo extremos, com agressões e morte. Também vinculados à histeria, ao niilismo, ao desespero pessoal e social.

Nas sequências seguintes, mas sempre nesse ambiente, com situações toscas e absurdas, estão os processos criativos e, inclusive, a mise en scène de alguns filmes. O que se define na teoria como a disposição de elementos que constituem o set (local) de filmagem, aqui se mostra em modo também desproporcionalmente caótico. Precisamente nesse sentido, “Babilônia” destaca-se ao ponto de surpreender e atordoar o espectador.

As características gerais do relato continuam, mas o longa não se esgota nisso: acrescentam-se situações cômicas e dramáticas, relações pessoais e diversos perfis muito elaborados. Para todas essas variantes, resultam estupendas as atuações de Diego Calva (o protagonista, como um mexicano que tenta fazer pé no mundo dos filmes), Margot Robbie (mulher de origens humildes e que, como tantas outras, não tem antecedentes nem estudos, mas procura chegar a ser uma atriz de sucesso), Brad Pitt (como um ator conceituado, com ares internacionais, mas que, depois, vai caindo em uma decadência lamentável), Jean Smart (aguda crítica de cinema, conhecedora do negócio e seu percurso), Li Jun Li (mulher atrativa, audaz e misteriosa), Terry Walters (tenaz editora/ajudante de direção), Tobey Maguire (delinquente sinistro e impiedoso), Olivia Wilde (breve papel tratando de impedir que o personagem de Pitt fale em italiano), dentre muitos outros.

Já na segunda parte, ainda pelos anos 1926/1927, com a aparição do som (fato que aconteceu historicamente) tudo se transforma. As excelentes cenas e sequências da primeira parte – só poderão ser esquecidas por serem muitas – dão lugar a outras, muito bem concebidas, atuadas e filmadas também.

Há imagens e comentários reflexivos sobre o amor (aparecem, claro, conquistas e desentendimentos amorosos, o que se sente e o que isso significa para as pessoas). A realização também traz inúmeras questões sobre o cinema (a satisfação por uma boa atuação ou filmar uma cena completa; um casting insólito, inesperado; o caráter de situações grandiosas e que parecem reais, como, por exemplo, a representação da morte, mas que os atores, na realidade, sabem que não são verídicas; o set definido como ‘o lugar mais mágico do mundo’; a companhia que dá estar com outras pessoas em uma sala assistindo a uma obra etc.) Em alguns momentos, faz lembrar “Cidade dos Sonhos” [Mulholland Drive] (2001) e “Império” [Inland Empire] (2006), ambos de David Lynch, sobre Los Angeles/Hollywood/cinema.

Só que, aos poucos, o tom geral vai por caminhos mais dramáticos, quase angustiantes. Nessa segunda parte, também, como uma faca de dois gumes, há aprofundamento nas sujeiras e crueldades sinistras da cidade de Los Angeles (onde está Hollywood), que derivam de patologias muito avançadas. Não resulta fácil assistir a cenas desagradáveis e locais sinistros que aparecem, e presenciar os vínculos perversos (em todos os sentidos) que, a esta altura, “Babilônia” traz.

O final, já em 1952, procura ser nostálgico. Tentando fazer uma difícil conta geral sobre o assistido, o balanço é muito positivo já que o resultado é impactante. Como dito, as cenas e sequências citáveis são inúmeras, porém, com risco de contradizer o afirmado, escolho uma: a da atriz que deve entrar em uma habitação, chorar, caminhar e falar e que tem um primeiro plano do rosto de Margot Robbie com a marcação de Terry Walter como uma editora. Além de excelência nas atrizes, há o que podemos chamar metalinguagem e que é uma das características deste filme; ou seja, utiliza “uma linguagem de descrição de outra língua”.

Tecnicamente, como dizemos, a produção resulta onipotente. Além das atuações mencionadas, podem-se citar sem dúvidas e até obrigatoriamente pela excelência, a edição (Tom Cross), fotografia (Linus Sandgren), figurino (Mary Zophres), música (Justin Hurwitz), e vários outros departamentos e direções.

Chazelle em seus dois aspectos – direção e roteiro -, e rodeado de profissionais de nível internacional, oferece uma obra quase desnorteante e que impressiona sobre este novo império, que é a indústria e o comércio cinematográfico estadunidense e que aqui se denomina “Babilônia”.

Sobre o 95º Oscar, que será entregue em 12 de março próximo, algumas considerações:

Por coincidência, nestas duas semanas (12 e 19 de janeiro) são estreias no Brasil dois filmes que, embora os nomeados só sejam anunciados oficialmente em relação completa no dia 24, pode-se antecipar que serão ganhadores de várias dessas estatuetas.

Para quem escreve, considerando “Os Fabelmans”– de Steven Spielberg – e “Babilônia” – de Damien Chazelle – e tendo ambas as produções como um de seus eixos temáticos o cinema, o primeiro é candidato a ganhar como filme e pela direção. Isto porque a visão de Spielberg sobre Hollywood é mais tranquila que a de Chazelle.

Embora sejam situados em épocas remotas do cinema estadunidense, o olhar agudo de Chazelle pode incomodar a indústria atual. Já no resto dos itens que a Academia considera (atores e atrizes, edição, fotografia, figurino, música etc), “Babilônia” deve ter mais chances.

É só uma previsão, até porque ainda não vimos “A Baleia”, outro título com renome. E, às vezes, neste prêmio, há surpresas. No mundo das apostas, poderia se dizer que a relação anterior, com as produções mencionadas, paga menos  – ou seja, tem mais probabilidades de acontecer.

por Tomás Allen – especial para A Toupeira

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Paramount Pictures.

Filed in: Cinema

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