Crítica: “Batem à Porta”

Uma boa adaptação não precisa seguir cegamente o produto que serve de base para sua construção. O equilíbrio entre a fidelidade ao material e a capacidade de trazer alguma melhoria para se adequar a uma nova plataforma (neste caso, o cinema) é o que faz com que atinja o sucesso entre conhecedores prévios e aqueles que chegam agora.

“Batem à Porta” (Knock at the Cabin) consegue tal êxito, em partes. Baseado no excelente livro “O Chalé no Fim do Mundo” (The Cabin at the End of the World), de Paul Tremblay, o longa ganha vida através do roteiro de M. Night Shyamalan (também à frente da direção), Steve Desmond e Michael Sherman.

A trama gira em torno do casal Andrew (Ben Aldridge) e Eric (Jonathan Groff), e de sua filha adotiva Wen (Kristen Cui), que decidem passar um fim de semana em uma cabana localizada em um local ermo o bastante para não ter sinal de Internet – com a intenção de viverem momentos que não dependam da tecnologia para serem inesquecíveis.

O cenário clichê em outros títulos de terror/ suspense é bastante propício para ser palco dos acontecimentos bizarros que acometerão a rotina da família e contribui para a crescente tensão que se instala na plateia, conforme os demais personagens surgem. Mérito este, também da ótima trilha sonora de Herdís Stefánsdóttir e das quase onipresentes tomadas em close-up que geram um resultado claustrofóbico e incômodo.

A primeira figura a romper com a sossego dos protagonistas é o professor de educação infantil Leonard (Dave Bautista), cuja compleição física se equipara ao que parece ser uma sensibilidade nata para lidar com as pessoas. Sua aparição é o ponto de partida para adentramos em uma narrativa que transita entre a emoção, a credulidade e o medo do desconhecido.

Aparentando ser um tipo de líder, Leonard se junta à cuidadosa enfermeira Sabrina (Nikki Amuka-Bird), à influenciável cozinheira Adriane (Abby Quinn) e ao maldoso funcionário público Redmond (Rupert Grint), para fazer uma inesperada proposta a Andrew, Eric e Wen: em 24 horas, eles deverão escolher entre eles, quem será sacrificado em prol da salvação da humanidade.

Caso tal decisão não seja tomada, desgraças (que vão de desastres naturais a pandemias) assolarão o mundo e apenas os três sobreviverão para ver a derrocada do planeta – o que, obviamente, lhes custará as vidas, mais cedo ou mais tarde.

Se, a princípio, tal argumento aproxima-se de temas bíblicos – em uma espécie de atualização dos Quatro Cavaleiros do Apocalipse – com o passar do tempo, as coisas ganham outra dimensão, com o acréscimo de relevantes camadas que colocam o espectador em dúvida sobre o que está acontecendo de fato. Quando apresentado nas páginas da obra literária, isso é incrível, mas devido a algumas questionáveis tomadas de decisão, perde muito do impacto em tela.

Por um lado, é satisfatório identificar a riqueza de detalhes da cenografia, a eficiente inclusão de flashbacks e até mesmo as várias linhas de diálogo que reproduzem com brilhantismo o que é visto no livro. Por outro, a sensação é a de que houve um excessivo cuidado em dar explicações, ao invés de deixar cada um tirar suas próprias conclusões – o que é frustrante, no final das contas.

Caso este fosse um roteiro original, “Batem à Porta” atenderia aos quesitos essenciais para ser bom, com destaque para o primoroso trabalho de todo o elenco. Pensar nele como um filme isolado faz com que funcione muito melhor – principalmente, no que diz respeito ao abandono do contexto primordial em momentos conclusivos.

por Angela Debellis

*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Universal Pictures.

Filed in: Cinema

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