O cinema cubano sempre chamou a atenção internacional, tem tradição e uma escola afamada. “Mambo Man – Guiado pela Música” (Mambo Man) é um filme cubano, porém com uma característica nova – ao menos em relação ao que conhecemos dele por estas latitudes: é uma coprodução cubano-britânica. E essas duas origens coexistem de forma positiva.
Por um lado, Está a ambientação, pois se passa em Cuba; todas as personagens são da ilha (os atores e atrizes também são de lá); a música, que dá o tom permanente, é cubana etc. Mas, além disso, há indícios de elementos com outra procedência. Por exemplo, algumas sofisticadas tomadas aéreas no início, muito bem obtidas.
Para além de antecedentes, e até de suposições, o filme, em si, é primoroso. Trata-se da vida de JC., um produtor musical que é, simultaneamente, um pequeno proprietário camponês. Está casado e eles têm uma filha pequena. Moram no interior da ilha e levam uma vida comum, sem grandes conquistas, mas, ao mesmo tempo, sem graves problemas. Porém, o relato se situa em um momento especial: os campos da região estão sofrendo uma forte seca. Isso complica, de modo severo, a subsistência de JC.
Os diretores, o iraniano Mo Fini e o músico cubano Edesio Alejandro, fazem um percurso regional, camponês e urbano e, também, musical da Cuba atual. Mostram a vida simples e com bastante pobreza, com a luta pela vida, com muitos cartazes e murais com propaganda política; com a mulher presente, mas cumprindo papéis discutíveis. Em toda a primeira parte, há um conceito cinematográfico que, sem ser chato ou ruim, não supera um nível mediano. Embora não seja cansativo, e até tenha elementos engraçados, chega até aí.
Porém, o panorama vai mudar a partir da aparição de Roberto, um amigo do protagonista. Definido por JC como um irmão, pessoa de extrema confiança, suas características não parecem responder a esse conceito. E pior, Roberto traz uma proposta estranha para ganhar dinheiro. Tudo isso cria uma inquietação no espectador. Aliás, outros amigos de JC sentem receio sobre tal possibilidade e, embora o acompanhem, não gostam da situação. Além disso, a própria esposa percebe que algo não está certo nessa aventura arriscada.
JC prefere ser inocente e continua adiante, aceitando o já conversado com Roberto. O filme adquire um tom dramático e até policial. O clima que passa ao espectador deixa, definitivamente, de ser aquele mais ou menos leve das cenas iniciais. Dá lugar a outro, tenso.
No final, há cenas excelentes, com elementos românticos e policiais. Isto último porque, embora a polícia não apareça explicitamente, o conteúdo, e em particular a imagem, são próprios de tal gênero.
Como se pode entender pelo dito, “Mambo Man – Guido pela Música” é uma realização com aspectos ricamente mutáveis. E se pode enfatizar a inteligência que traz. É um filme que, acabado, faz pensar não apenas no acontecido, mas em muitos elementos. Fala sobre a amizade, a sinceridade ou a falsidade. A verdade ou a mentira. A simplicidade e o engano. A confiança e a desconfiança. Fala sobre o amor. Sobre o triunfo ou o fracasso na vida. O êxito e a derrota, que pode até ser cruel, impiedosa.
Para conseguir tudo isso, conjugaram-se uma boa direção (dupla já mencionada), e uma excelente ideia (o roteiro é de Paul Morris e de Mo Fini, quem, além de codiretor é co-roteirista, ator, compositor, supervisor musical etc.). Boa fotografia (Luis Alberto González), edição (Edesio Alejandro) e as atuações (Héctor Noas como JC; David Pérez como Roberto, Yudexi de la Torre, excelente como a esposa e outros, todos bem compenetrados em cada papel). E, como dito, tem a música cubana (de Tumi Productions e Buena Vista Artists, e a participação da Orquesta Sinfónica de Cuba).
Resumindo: “Mambo Man – Guiado pela Música”, que é a estreia da semana na plataforma de streaming Cinema Virtual, é um filme com diversas facetas, amável, cordial, melancólico, mas, também, dramático e surpreendente.
por Tomás Allen – especial para A Toupeira
*Título assistido via streaming a convite da Elite Filmes.