Classificar um tópico como “polêmico” nos dias atuais é tarefa das mais inglórias, ou, como se diz na linguagem popular: “chover no molhado”. A impressão é que pouco importa o tema, sempre haverá alguma brecha para comentários – nem sempre pertinentes – visando debates pouco saudáveis, na grande maioria das vezes.
Falar sobre religião nunca foi fácil. Encontrar uma maneira de trazer o assunto à tona, sob um viés que não seja meramente ofensivo é o desafio do roteiro de Lusa Silvestre, para a comédia nacional “Nas Ondas da Fé”.
Dirigido por Felipe Joffily, o filme gira em torno de Hickson (Marcelo Adnet) e Jessika (Letícia Lima), casal cuja fé verdadeira serve como base para enfrentarem os desafios e dificuldades de levar uma vida simples e sem grandes perspectivas, mas cheia de boas intenções e amor.
Sem um emprego fixo que seja suficiente para honrar com suas dívidas básicas, Hickson divide seu tempo entre trabalhos como técnico de informática e locutor de telemensagens (com direito a veículo personalizado, balões e música de qualidade duvidosa). Enquanto sua esposa Jessika trabalha como assistente / manicure em um salão de cabeleireiro.
O mundo do casal é alterado radicalmente quando surge uma oportunidade de emprego para o protagonista na Estação de Rádio de cunho religioso que dá nome ao longa, como auxiliar administrativo. O que está longe a profissão dos sonhos, acaba sendo a porta de entrada para uma providencial coincidência, que transforma o personagem de Marcelo Adnet em um sucesso instantâneo.
Assumindo a posição de locutor de rádio / pastor evangélico, Hickson vai galgar a passar largos, a escadaria para a fama. Mas o que o sucesso avassalador tem a ver com a religião em si? Acredite: Tudo. Muito bem representada na narrativa, a popularidade alcançada por figuras que representam o domínio exercido por instituições religiosas – neste caso, igrejas evangélicas – é algo que, embora não seja inédito, espanta por sua dimensão.
Em questão de dias, o personagem é promovido a “Apóstolo” e esta ascensão meteórica e questionável serve para mostrar o quanto a crença das pessoas (ouvintes, telespectadores ou frequentadores de templos em geral) é um combustível poderoso e o quanto influencia o que consumimos quando o tema é fé.
O que poderia ser tratado com sisudez e até mesmo de forma apenas crítica, é levado às telas sob a chancela da comédia com muitos momentos dramáticos. Ao mesmo tempo em que rimos da falta de habilidade de Hickson de lidar com o público conquistado através de uma simpática persuasão, também nos sensibilizamos ao perceber o quanto suas convicções o levam a questionar alguns rumos tomados.
“Nas Ondas da Fé” tem como maiores destaques seu ótimo elenco a decisão de apresentar figuras críveis, que o público acaba reconhecendo como alguém que já passou por suas vidas em algum momento. O homem de bom coração que almeja voos mais altos e uma vida melhor para aqueles que ama; a mulher batalhadora e corajosa, que serve como alicerce para manter a relação sólida; os influentes que não têm o menor respeito por seus semelhantes e só se importam consigo próprios.
Com os instantes finais da obra deixando aberto o caminho para uma futura continuação – claramente almejada pela equipe de produção, como revelado durante Coletiva de Imprensa, é possível cogitar os caminhos pretendidos para dar continuidade à história, e a tendência é de que tenha muito a se contar.
por Angela Debellis
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Imagem Filmes.
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