Crítica: “Trama Fantasma”

É provável que o grande chamariz para “Trama Fantasma” (Phantom Thread) seja o fato do filme marcar a despedida de um dos mais talentosos atores da indústria do cinema. Com mais um trabalho impecável – que lhe rendeu inúmeras indicações a prêmios na temporada, aos 57 anos, Daniel Day-Lewis anuncia a sua (para muitos, prematura) aposentadoria.

Mas, além de carregar esta indelével marca, o longa tem luz própria e consegue ser tão interessante quanto surpreendente, apesar de não ser exatamente “fácil” de assistir. Conta com uma narrativa quase sem ação, na qual há um claro predomínio da preocupação com a estética visual e o roteiro repleto de nuances que, de maneira magistral, abrem um extenso leque para que os espectadores passem boa parte do tempo conjecturando sobre os próximos passos dos personagens.

A história se passa em Londres, nos anos de 1950. Em seu cerne, o renomado estilista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), cujas disputadas criações exclusivas vestem membros da alta sociedade e até mesmo da realeza. Quase a totalidade das cenas acontece no interior de sua casa – que também serve como ateliê -, o que transforma a experiência da plateia em algo um tanto quanto sufocante (apesar – e talvez por causa – da incessante atmosfera de luxo e elegância que permeia o local).

É nesse cenário que vamos conhecer a exaustiva rotina profissional e pessoal do protagonista. Com uma taxa de exigência de perfeição muito acima da média, Reynolds mostra-se como aquele arquétipo de gênio cujo humor o transforma em alguém complicado de se lidar. O interesse que manifesta por algo – ou alguém – se esvai com a mesma facilidade com que surgiu, e as várias sequências que mostram a subida da escada em curva que levam a seu ateliê, só reforçam essa ideia de que ele estaria “acima” dos meros coadjuvantes (entenda-se todas as outras pessoas que o cercam).

Orfão desde jovem – mas ainda nutrindo assustadora obsessão pela mãe -, ele tem na rigidez da irmã Cyril (Lesley Manville) o porto seguro de sua vida. Ela, aliás, é quem coordena com mão de ferro, boa parte de seus afazeres, a única que tem coragem para enfrentá-lo de frente, sem baixar o tom. Pelo menos até a chegada inesperada da ex-garçonete e nova “musa” do estilista, apropriadamente chamada Alma (Vicky Krieps).

A jovem, que a princípio tem uma aparência tímida e reclusa, vai aos poucos mostrando – como ela mesma diz em dado momento – sua completa disposição em dar a Reynolds, “cada pedaço dela”. E é a partir dessa declaração, envolto na graciosidade cruel dos bastidores do mundo da moda, que começa um perigoso relacionamento, que está longe de ser saudável para ambas as partes.

Se a resolução do filme parece transparente, a ilusória simplicidade de sua trama carrega aquele tipo de reviravolta que consegue envolver o público de maneira irremediável. Eu, particularmente, continuei tentando assimilar de forma mais natural (se é que isso é possível) o que vi na telona por várias horas após o término da sessão. Ponto para Paul Thomas Anderson, que além de dirigir, é responsável pelo roteiro do longa, que concorre em seis categorias do Oscar 2018.

Corra para os cinemas.

por Angela Debellis

Filed in: Cinema

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