A hipótese da existência de universos paralelos, bem como de um multiverso onde todos esses universos existem num “espaço” compartilhado, é impressionantemente antiga, encontrando exemplos de cogitações desde a Grécia antiga, com os filósofos atomistas.
No entanto, o uso na cultura popular como conhecemos surgiu com o autor Michael Moorcock em sua série de histórias “Eternal Champion”, e, particularmente, nos dias modernos, se cristalizou com as diferentes visões das duas grandes editoras de quadrinhos DC e Marvel.
A explicação, e a hipótese, mais simples para o que é um universo paralelo e um multiverso que une os vários é a seguinte: cada ação nossa, cada acontecimento ao nosso redor, desde o movimento da menor das partículas até a explosão de uma estrela, cria uma nova linha temporal para cada resultado possível da situação, e assim cada uma destas linhas carrega em si um universo predominante que, com o tempo, pode divergir radicalmente dos demais, ou não. É um conceito muito usado na ficção para corrigir buracos em histórias, ou para criar reboots de séries televisivas e de quadrinhos.
Mas, e se esses universos realmente existissem, e você pudesse acessá-los à vontade, o que você faria? Tentaria tomar o lugar de uma de suas infinitas versões em um no qual você não cometeu seu pior erro? Visitaria cada um apenas coletando conhecimento? Ou usaria seu conhecimento de futuro geral, para visitar outro no qual o tempo passa mais lento, e ainda é seu eu jovem de 20 anos atrás, e tentaria ganhar uma fortuna em apostas?
“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” (Everything Everywhere All At Once) mostra o quanto uma habilidade assim pode gerar confusão e dor, no entanto. Imagine criar uma consciência multiversal, onde você ouve e vê todos os universos ao mesmo tempo? Onde cada vez que você erra em um, simplesmente pula para outro em que não errou. É facil se tornar uma pessoa niilista no pior sentido possível. E é justamente o que ocorre com a antagonista do filme, Jobu Tupaky, e com isso ela passa a destruir universos, apenas para silenciar as vozes e as imagens.
Para combatê-la há uma esperança: Evelyn Wang (Michelle Yeoh) uma imigrante chinesa residente nos Estados Unidos, que está sendo auditada pela Receita Federal americana, pois suas contas não batem, e prestes a perder não só seu negócio bem como sua família. Ela é recrutada por uma versão de outro universo de seu marido Waymond (Ke Huy Quan), para combater o mal de Jobu Tupaki, salvando o Multiverso bem como a si mesma.
Apesar da resenha acima parecer a descrição de uma história em quadrinhos de super-herói, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” é muito mais que isso, e ousa divergir das convenções que o gênero da comédia de ação acaba por impor, procurando uma história com muito mais substância que os demais filmes deste, ainda assim mantendo o estilo.
Desta forma, aborda assuntos extremamente profundos e relevantes para os dias de hoje: vemos a instabilidade da família nuclear, a dificuldade das gerações anteriores compreender os mais jovens, o ciclo do sofrimento geracional, depressão… Todos estes tópicos encontram paralelos no conflito entre a Evelyn e Jobu.
E é esta resolução que mais diverge dos títulos do mesmo gênero: a protagonista procura uma solução não aumentando os confrontos, mas tentando compreender sua própria filha Joy (Stpehanie Hsu), numa relação fundamental para a narrativa.
Além da substância merece elogio o estilo do filme, que consegue usar o meio visual como uma ferramente narrativa superpotente, algo que vários falham em utilizar. Também a trilha sonora tem tal função, com temas recorrentes – o mais notável sendo trechos de “Clair de Lune” do compositor impressionista Debussy, para representar personagens e ideias, como Jobu e os pulos entre universos.
Ainda no tópico da questão do estilo, a produção dirigida por Daniel Scheinert e Daniel Kwantem uma coreografia das lutas extremamente bem pensada, que, por sua vez, também tem funções narrativas. Para os fãs de kung fu será divertido reconhecer os estilos utilizados, bem como certos comentários que o longa faz sobre esta arte marcial, que são muito precisos e corretos.
O longa não seria incrível no entanto não fosse por Michelle Yeoh. Em primeiro lugar, a atriz é uma incrível artista marcial e sua capacidade de mudar de personagem cômico para uma lutadora imbatível, ou às vezes os dois ao mesmo tempo, está mais clara neste trabalho do que em qualquer outro. O filme parece ter sido feito para a atriz, pois, além das várias referências à carreira dela – como momentos em que ela estava assistindo a “O Tigre e o Dragão” que também é homenageado durante a história – o roteiro tira o melhor de Yeoh.
“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” é talvez um dos mais sutis filmes que abordam temas profundos dos últimos tempos, escondendo estes entre cenas cômicas ou lutas incrivelmente coreografadas. É um título que agradará tanto aqueles que gostam de ação, bem como quem procura algo com mais substância.
por Ícaro Marques – especial para A Toupeira
*Título assistido em Cabine de Imprensa promovida pela Diamond Films.