Do Fundo da Toca: Porque “A Hora do Pesadelo” ainda é bom

O nome Wes Craven é mais conhecido atualmente pela franquia de terror “Pânico”, mas o falecido diretor já tinha inovado no mundo dos slashers nos anos 1980 quando inaugurou “A Hora do Pesadelo” (A Nightmare in Elm Street), minha franquia de terror favorita.

Favorita talvez pelo jeito único do Freddy, talvez pelos meus maiores temores na época serem pesadelos. Cheguei a ter gibis de “Os Trapalhões” satirizando a obra, sou um dos raros que se lembra do seriado de TV e um dos livros mais preciosos de minha biblioteca é o making of do longa-metragem que iniciou tudo.

Recapitulando o primeiro filme da franquia, um grupo de adolescentes começa a sonhar com uma figura misteriosa, até que uma jovem morre pelas mãos da mesma, e seu namorado é acusado de assassinato.

A partir daí, vemos uma corrida para descobrir que figura misteriosa é essa que transforma pesadelos em realidade, ao mesmo tempo em que desvendamos um segredo sombrio nos quais os pais das crianças assassinadas estavam envolvidos.

É claro que vamos falar com alguns spoilers, já que o objetivo é fazer uma análise mais profunda.

Tirando já o elefante da sala, é colocada a grande inovação, que é Freddy matar através dos sonhos, naquele que seria o local mais seguro que é o próprio quarto, ao mesmo tempo é dentro do seu sonho, então você estará sozinho.

Mais do que isso, Freddy Krueger, não só ataca nos sonhos, ele os distorce para causar medo, pois o temor de suas vítimas o fortalece, sendo seu objetivo aumentar o pavor de seu alvo até possuir força o suficiente para matá-lo.

Assim, estamos falando de um assassino que cria um microuniverso para suas vítimas e o deforma como forma de ataque. Além disso, ele possui uma arma preferida, uma luva com garras metálicas que ele mesmo forjou.

Muitos slashers são conhecidos ou por uma arma icônica ou pela forma como usam objetos aleatórios para mortes criativas. Freddy está em outro nível, pois criou uma arma diferente que é quase um prolongamento do seu corpo, a liberação de seu lado mais bestial, isso quando ainda era vivo e se torna literal agora que se tornou um fantasma vingativo.

Retornando à questão do local seguro sendo invadido, a maioria dos slashers naquele período contava com ataques em cabanas escondidas na floresta, longe da civilização, quase um mundo próprio no meio do mato. Aqui, o inimigo é uma pessoa aparentemente comum, que morava na vizinhança quando era vivo, agora sua versão espectral não tem limites para onde pode atacar.

E só existe essa versão fantasma, pois os pais das crianças executaram secretamente o homem quando descobriram seu crime, mostrando como uma ação precipitada pode causar um mal ainda maior do que aquele que se deseja prevenir.

O tema de sonhos em si é trabalhado de diversas maneiras. Tanto a parte científica, onde a protagonista é analisada até ficar evidente a origem sobrenatural de seus pesadelos, quanto o lado filosófico e mitológico, o que se torna algo fundamental para lutar contra o Freddy.

A protagonista Nancy tem um pai policial pouco expressivo e uma mãe alcoólatra, um ambiente perfeito para atrapalhar no equilíbrio mental da garota, ainda mais no controle dos próprios sonhos. Assim, a jornada da final girl pode ser uma busca pessoal da protagonista recuperar o controle da própria psique, o que faria sentido já que o diretor era formado em psicologia e declarou que usou parte do seu conhecimento da faculdade para elaborar seus filmes de terror.

Essa questão de busca pelo controle da própria psique é explícita no longa e ocorre de forma coletiva no terceiro filme. A partir dos seguintes, as temáticas foram se enfraquecendo, com personagens cada vez menos desenvolvidos e os roteiros virando uma desculpa para um show de mortes cada vez mais bizarras, com raras exceções. Praticamente a maldição (sem trocadilhos) que acomete a maioria dos slashers com muitas sequências.

Isso fica mais claro como o remake de 2010, um terror razoável, mas com um décimo do impacto do original. No remake, temos dois focos que são os problemas da privação de sono e a história do Freddy quando era vivo, limitando muito a exploração da narrativa, enquanto na versão de 1984 temos uma discussão sobre a natureza dos sonhos que percorre o filme todo.

No original, temos múltiplos momentos icônicos com suas garras, incluindo uma abertura espetacular mostrando sua criação em detalhes, no remake, elas mal são usadas. Na produção de 1984, temos múltiplos momentos criativos do mundo dos sonhos sendo remodelado pelo Freddy, já na de 2010, o mundo dos pesadelos é um labirinto metálico com cenários bem restritos refletindo o local de sua morte. Em suma, é uma cópia simplificada com poucas inovações.

Negociações para retomar a franquia estão acontecendo nos últimos anos e algumas coisas devem ser pensadas. Considerando a quantidade absurda de obras que tivemos nas últimas décadas sobre o funcionamento do cérebro, há um material riquíssimo a ser obrigatoriamente explorado em uma continuação ou reboot.

Lembrando ainda que filmes recentes como “A Origem” serão usados como comparativo inevitável pelo público, então, trabalhar com um assassino do mundo dos sonhos não pode se restringir a copiar o que foi feito há quase quarenta anos.

Talvez o personagem que consegue atualmente inovar, ao mesmo tempo em que bebe de “A Hora do Pesadelo” seja Art, o palhaço de “Terrifier”, com uma cena onírica do filme que seria simplesmente perfeita em um filme do Freddy.

Para quem deseja rever a franquia, a maioria das produções está atualmente disponível na HBO Max.

por Luiz Cecanecchia – especial para A Toupeira

Filed in: Cinema

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